Confiram a matéria da Revista O Globo...

Maçonaria de portas abertas
A noite é de gala no templo nobre do Palácio Maçônico, na Rua do Lavradio. Todos se levantam quando o grão-mestre surge na porta principal vestido com seu avental azul cheio de detalhes em dourado. Atrás dele, como numa procissão, aparecem outras autoridades, enquanto dos alto-falantes sai uma música medieval, trilha perfeita para o filme “Coração valente”. Parece que vai começar mais uma sessão secreta da maçonaria, mas dessa vez a figura central pertence ao mundo profano. É um candidato à prefeitura do Rio. Político nas duas definições da palavra, antes de entrar ele pede uma gravata preta emprestada para não destoar do traje obrigatório dos maçons. Mesmo assim, parece pouco à vontade diante de tantas formalidades. 

Era o quinto compromisso do candidato naquele dia, embora este não constasse da agenda oficial. O encontro foi discreto, bem ao estilo dos maçons. Depois de uma exaustiva carreata no Engenho Novo, ele foi vender seu peixe na sede carioca do Grande Oriente Brasileiro (GOB), o mais antigo grupo maçônico do país. Mais que um evento político, sua presença ali expõe o despertar silencioso da mais famosa irmandade secreta do mundo. Protagonistas nos principais fatos históricos do Brasil, entre eles as proclamações da Independência e da República, os maçons querem voltar a participar da vida política e dos grandes temas nacionais. Além de ouvir candidatos a prefeito, eles estão a pleno vapor numa campanha pela soberania brasileira na Amazônia, pela cota de negros nas universidades e já se manifestaram oficialmente em questões como a do mensalão e a da Reserva Indígena da Raposa do Sol. 

— Passamos um bom tempo hibernando, voltados para dentro, mas agora despertamos de novo para o mundo exterior. Não aceitamos os desmandos e a desonestidade de certos setores do poder público — afirma o grão-mestre do GOB-RJ, Eduardo Gomes de Souza. 

Antes do primeiro turno da eleição, o GOB recebeu em seu palácio três candidatos a prefeito e um a vice. Todos assinaram um documento se comprometendo a chamar maçons para compor conselhos que vão assessorar as secretarias municipais. Na próxima semana, uma reunião interna vai escolher quem será o candidato indicado pela instituição, Eduardo Paes ou Fernando Gabeira. Com 30 anos dedicados à ordem, nem o eminente grão-mestre, como é chamado com respeito pelos irmãos, lembra a última vez em que isso aconteceu. Mas ninguém está atrás de cargos remunerados, garante o coordenador político-parlamentar do GOB, deputado estadual André Corrêa (PPS): 

— Nunca precisamos de dinheiro do Estado. Queremos apenas oferecer os serviços dos nossos irmãos a governantes que comunguem dos princípios da maçonaria. 

Os princípio básicos da maçonaria — pelo menos os conhecidos — são igualdade, liberdade e fraternidade, os mesmos da Revolução Francesa. Guiada por eles, a ordem já apoiou no Brasil movimentos tão díspares quanto o abolicionismo e o regime militar. De comum, ela manteve apenas a influência ao mesmo tempo decisiva e obscura nos rumos da nação. Ao longo do século passado, com o fortalecimento de outros representantes da sociedade, a maçonaria foi perdendo o protagonismo que agora só resiste em pequenas cidades, onde prefeitos ainda freqüentam gabinetes de grãos-mestres. 

— Até o início do século XX, a maçonaria era muito política. Depois, se tornou mais um clube de filantropia e ajuda mútua, como o Rotary e o Lions — afirma o historiador Marco Morel, primeiro autor não-maçom a escrever um livro sobre a história da irmandade, o recém-lançado “O poder da maçonaria”. 

Para voltar a participar das questões nacionais do século XXI, a maçonaria terá primeiro de superar o imaginário misterioso que a envolve. Desde que foi criada nos moldes atuais, na Inglaterra do século XVIII, a ordem funciona sustentada por rituais, símbolos e códigos secretos que só serviram para multiplicar os mitos sobre ela. Ao longo da História, sempre que a maçonaria rompia com poderes constituídos, como o Estado e a Igreja, proliferavam histórias macabras sobre as atividades nos templos, quase sempre relacionadas a ritos satânicos. Por vezes, os próprios maçons não se preocupavam em desfazer as crendices, para afastar curiosos. 

— Hoje, essa fama nos atrapalha — reconhece Eduardo. 

Os primeiros a subir para o templo azul são os maçons de graus 31, 32 e 33. O ambiente está impregnado do cheiro de incenso. Nas paredes, fica evidente todo o sincretismo da maçonaria. Há quadros de Jesus Cristo, Buda, Maomé, Platão, Rei Frederico da Prússia, faraós e até dos 12 signos do zodíaco. A águia bicéfala aparece de novo, bem como a balança da Justiça. Ao fundo, uma coroa dourada emerge da parede. É uma réplica do templo do Rei Salomão. A primeira palavra de ordem, bradada em voz alta, é reflexo dos novos tempos: 

— Atenção, meus irmãos, desliguem seus celulares. 

Entra, então, um cortejo de maçons paramentados. A música também é de cavalaria. O guarda do templo fica na porta com a espada na mão. Os não-iniciados, então, são convidados a se retirar, mas sabe-se que a sessão é aberta com a leitura da Bíblia e da oração de São Francisco, aquela do “é dando que se recebe”. Do lado de fora, só é possível ouvir um barulho surdo e ritmado, como o de um tronco batendo no chão. A entrada só é liberada de novo quando chegam os “formandos” do grau 30, ao som de uma música de relaxamento. Em vários lugares lê-se “Ordo ab chaos”, ou “A ordem a partir do caos”, um lema maçônico. Quando a iniciação vai começar, os convidados têm de sair novamente. 

Os maçons se preocupam com o vazamento de seus códigos. Alguns dizem, bem-humorados, que esta é a razão pela qual não existem mulheres iniciadas — elas não saberiam guardar segredo. São os sinais secretos que permitem que um irmão reconheça o outro em qualquer lugar. Assim, eles podem cumprir o acordo de colaboração mútua a que se comprometeram na iniciação. Um maçom tem o dever de ajudar o outro como se fosse irmão de sangue, mesmo que não o conheça — e isso inclui emprestar dinheiro e arrumar emprego, por exemplo. Para obrigá-los a continuar freqüentando as sessões, algumas palavras de identificação são mudadas regularmente. Mesmo que não seja esse o propósito, o pacto de irmandade é um chamariz para atrair novos irmãos. Hoje, segundo o GOB, existem cerca de 170 mil maçons no Brasil — de faxineiros a executivos, como eles dizem com orgulho. 

— Eu posso ficar parado no meio de uma praça, em qualquer lugar do mundo, que logo aparecerá um irmão para me ajudar — conta o administrador Mauro Kalife, venerável (chefe) da loja (subgrupo) Lux et Veritas. — Já cansei de ser levado da classe econômica para a primeira classe por um comissário de bordo que me reconheceu como maçom.

A forma de comunicação em gestos e posturas, aliada à diversidade social de seus membros, sempre ajudou os maçons a transitarem bem em todas as camadas da sociedade. De fato, é impossível contar a História do Brasil sem esbarrar em integrantes da ordem. Dom Pedro I era maçom, bem como nosso primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, que passou a faixa para outro irmão, Floriano Peixoto. Na República Velha, até 1930, sete presidentes pertenciam à irmandade. Orbitando sobre as autoridades, existiam ainda Duque de Caxias, Rui Barbosa, Benjamin Constant e outros ilustres brasileiros como Santos Dumont, Carlos Gomes, Pixinguinha e Lamartine Babo. Até o palhaço Carequinha era maçom. 

A partir da metade do século XX, a maçonaria foi perdendo sua influência. O último presidente maçom foi Jânio Quadros, que renunciou em 1961. Mesmo assim, a ordem continuou a manter irmãos nas esferas do poder. O General Golbery do Couto Silva, um dos ideólogos do regime militar, era um deles, assim como Mário Covas, Miro Teixeira e Antonio Palocci. Tão variadas quanto seus representantes são as ideologias da ordem. Ao longo da História, a maçonaria oscilou entre posições conservadoras e progressistas. 

— Por mais que eles tenham sempre caminhado no sentido da unificação, nunca houve uma maçonaria, mas várias maçonarias — diz o historiador Morel. 
Mesmo internamente, a maçonaria não é única. Cisões no GOB fizeram surgir dois outros grupos reconhecidos, a Grande Loja e o Grande Oriente Independente. Apesar de uma ou outra diferença de ritos, as três mantêm relações amistosas entre si. A estrutura delas é idêntica à do Estado brasileiro, dividido em três poderes. O Judiciário pode até condenar à expulsão um irmão que tenha manchado o nome da ordem. Todos os cargos são escolhidos por eleição direta. 

— Estamos envolvidos em causas de interesse público, sempre a favor da democracia. Nosso objetivo é pretensioso: fazer a Humanidade mais feliz — afirma o sereníssimo grão-mestre da Grande Loja do Rio, Waldemar Zveiter, de 76 anos, 54 de maçonaria. 

Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Zveiter está engajado em diversas ações da maçonaria acerca de temas nacionais. Dá palestras e escreveu um livro contra a entrada de empresas estrangeiras na Amazônia que já foi lido no Senado. A Grande Loja também está, como pessoa jurídica, a favor das cotas para negros nas universidades. 

— Lançamos campanha de planejamento familiar antes da Igreja Católica — afirma o grão-mestre. 

No gabinete de Zveiter, existe um quadro que, segundo ele, é a reprodução de um ritual da ordem. Nele, uma pessoa está ferida na testa, enquanto outra segura um martelo. Mais explicações ele não pode dar. Na sala do grão-mestre do GOB-RJ, o retrato de destaque é o de José Bonifácio, o primeiro grão-mestre brasileiro e, mais ao fundo, o de seu sucessor, Dom Pedro I. No gabinete ao lado, está bem conservado o trono de grão-mestre usado pelo Imperador. Símbolo máximo da proximidade dos maçons com o poder, a relíquia tem tudo para servir de inspiração para as novas pretensões da maçonaria brasileira.

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1 comentários:

  1. É um blog que tem futuro, prezados tios. Pena que a matéria da Revista "O Globo" não está nítida para que possamos ler. Caso pudessem me enviar por e-mail, agradeço desde já.
    Abraços.

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